CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

segunda-feira

O MAPA


A história de “O Mapa” é bastante curiosa, e mostra bem o perfil do escritor lírico, distraído, sempre compelido para o sonho. José Otávio Bertaso, ex-editor da Livraria do Globo, contou certa vez que, no dia em que Quintana entregou os originais do Apontamentos de História Sobrenatural , ficou estático, pensativo, espiando pela janela, do alto do edifício da gráfica da editora, na esquina da avenida Getúlio Vargas com Botafogo, em Porto Alegre, de onde se podia enxergar todo o bairro Menino Deus. Naquele instante, assomado pelo instante mágico da paisagem que, involuntária, surgiu diante de seus olhos, sentou na mesa de Bertaso e escreveu o poema em vinte minutos. Depois, entregou a folha para o editor, e disse, lacônico: “acrescente nos originais”.

Mario Quintana

Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar
Suave mistério amoroso
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...

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