CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

quarta-feira

ESTE QUARTO


Esta é talvez uma das últimas fotos de Quintana. Tão notável quanto o seu lirismo e sua ironia, era a sua personalidade desassombrada com a vida (“o tempo é uma invenção da morte: não conhece a vida, a verdadeira, em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira”), com o mundo, suas lendas, sua vida errante de endereços provisórios e de preparativos para viagem, dos quartos anônimos que habitou, as jornadas de dor cheias de poesia que flutuava aos vapores de fumo, das xícaras de café forte (mesmo contra recomendação médica. Onde houvesse café ele parava e entrava), e sua paixão pela música de Mahler e o retrato de Cecília Meireles. Como disse o escritor Tabajara Ruas: “era assim que gostávamos de imaginá-lo: solitário, romântico, inacessível”. E essa foi a imagem que a tradição entronizou.
O alegretense Mario dizia que andava de bengala “só por charme”, desde que sofreu um acidente em 1985 (foi atropelado em frente ao Correio do Povo) com seus passos lentos chegou aos 87 anos, como um dos poetas fundamentais de nossa língua.
Seu poema ESTE QUARTO já foi publicado neste blog, mas peço licença para republicá-lo, pois se encaixa perfeitamente na foto acima.
Bernardo

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousando em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...

O poema “Envelhecer” sintetiza em apenas quatro versos toda uma fase da vida humana. Nesse quarteto, o sujeito poético compara o passar do tempo a uma estrada de mão dupla, resumindo a juventude como uma trilha para novas descobertas e a velhice como um atalho para o isolamento e a morte. O poeta, no entanto, não demonstra qualquer tipo de desespero frente a este último “caminho”. Ao contrário, fala dele com profunda resignação.

ENVELHECER
Antes todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Mario Quintana

Um comentário:

Tais Luso de Carvalho disse...

Sempre tive a impressão que Mário zombava e brincava de esconde-esconde com a morte...Conheci duas pessoas assim, apenas: ele e meu pai.
Esse poema é de arrepiar; me deu vontade de rir e de chorar.
Linda foto...

Tais