CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
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quarta-feira

DO CADERNO H


No Caderno H, Quintana começa a demonstrar certa angústia diante do progresso que ele nos apresenta como “insidiosa substituição da harmonia pela cacofonia”. Quintana demonstra sua insatisfação para com o destino das coisas, o tradicional choque do avanço tecnológico e industrial contra uma harmonia ideal e romântica que habitava o passado. No texto MARIA FUMAÇA, sentimos claramente essa posição de seu autor.

MARIA FUMAÇA

As lentas, poeirentas, deliciosas viagens nos trens antigos. As famílias (viajavam famílias inteiras) levavam galinhas com farofa em cestas de vime, que ofereciam, pois não, aos viajantes solitários.
E os viajantes solitários (e os meninos) ainda desciam nas estaçõezinhas pobres...para pastéis, os sonhos, as laranjas...
E ver as moças da localidade, que iam passear nas gares para ver os viajantes, uns e outros de olhos cumpridos – eles num sonho repentino de ficar, elas num sonho passageiro de partir.
Um apito, a fumarada, resolvia tudo.
Mas hoje nem há o que resolver. E é quase proibido sonhar. O mal dos aviões é que não se pode descer toda hora para comprar laranjas.
Nesses aviões vamos todos imóveis e empacotados como encomendas. Às vezes encomendas para a eternidade...
Cruzes, poeta! Deixa-te de idéias funéreas e pensa nas aeromoças, arejadas e amáveis como anjos.
E “anjos”, aplicado a elas não é exagero nenhum. Pois não nos atendem em pleno céu?
Porém, como já nos trazem tudo de bandeja, eis que essa mesma comodidade de creche em que nos sentimos tira-nos o saudável incomodo de iniciativas e improvisos.
Entre a monotonia irreparável das nuvens, nada vemos da viagem. Isto é, não viajamos, chegamos.
Pobres turistas de aeroportos, damos a volta ao mundo sem nada ver do mundo.
Mario Quintana

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