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terça-feira

PRESENÇA

Vivo na imaginação o que a realidade me nega

Em várias das obras de Quintana, são diversos os textos que expressam a tendência em desconfiar dos sentidos, buscando uma visão mais profunda e verdadeira da fantasia criativa. O poema PRESENÇA a seguir, por exemplo, pode ser relacionado diretamente aos sentido dos versos publicados ontem com o poemA "De Repente":

PRESENÇA
É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!

In: Apontamentos de História Sobrenatural


Este poema e o de ontem, embora pertençam a livros diferentes, expressam a mesma visão sobre memória e realidade, a qual permeia toda obra de Quintana. Para ele, a memória nunca é simples lembrança, evocação. Toda infância rememorada do homem, por exemplo, será sempre a mais bela, porque é vista do presente marcado pelas limitações da vida adulta.
Voltemos ao poema postado ontem “De Repente”, quando o poeta diz “O livro na mão/ Era sempre o teu seio”, está narrando uma experiência que pertence ao plano da memória/imaginação, primeiro, porque relata um fato no passado, o que já é memória. Segundo porque a experiência relatada é um momento de sonho: o poeta senta a presença da amada no livro. Suas linhas eram perfeitas porque haviam sido desenhadas pela saudade e pela ausência.
Os dois últimos versos do poema “De Repente”, postado ontem, expressam esse sentimento de tristeza e vazio que domina o presente na imagem dos cântaros e do cavalo. Lembremos que a imagem do cavalo é comum na poética quintaniana. No poema De Repente, portanto a imagem do cavalo denuncia o vazio que o poeta sente no presente. Sua vida só se reveste de sentido no ato da imaginação, ou seja, da criação.
A mesma análise pode ser feita perfeitamente com o poema de hoje “Presença”.

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