CADA POEMA É UM FRAGMENTO DO POEMA GERAL QUE QUINTANA VEIO COMPONDO
DURANTE TODA A SUA VIDA

terça-feira

POEMAS PARA JULIANO O APÓSTATA

Moeda com imagem do imperador Juliano

Flávio Cláudio Juliano,foi imperador Romano de 361 a 363 depois de cristo.Foi o último imperador da família de Constantino I, O Grande. Constantino em 313 d.c, publicou o èdito de Milão, pondo fim à perseguição dos Cristãos em Roma. Juliano, foi chamado de apóstata porque renegou a religião cristã e tentou implantar o retorno do paganismo. Cristão de formação, durante a vida adota a religião pagã tradicional romana e, embora não persiga os cristãos passa a fazer de tudo para fortalecer o velho culto aos deuses pagãos.

O poema nos leva também ao grande escritor grego Nikos Kazantzákis que produziu a tragédia Juliano o Apóstata.
Kazantzákis não vê no Imperador o adorador fanático da antigüidade sepultada, da religião agonizante, mas sim inspirado do ideal de uma ressurreição de liberação, que percebe à sua volta homens, espíritos, coisas, idéias e símbolos, tudo impiedosamente reprimido, debelado pelo cristianismo. Parece que é este pensamente que nortei o poema de Quintana.
Não consta na bibliografia de Quintana haver feito a tradução da tragédia de Kazantzákis, autor de peças famosas como Zorba o Grego, A Odisséia, Cristo Recrucificado, A ùltima Tentação de Cristo, mas certamente deve ter nela se inspirado para escrever o poema abaixo.


POEMAS PARA JULIANO O APÓSTATA

No tempo dos deuses tudo
era simples como eles
e natural e humano
e eles reinavam no mundo.


Mas veio um deus usurpador e único
e tornou o mundo incompreensível
porque o seu reino não era deste mundo.


E até hoje ninguém soube por que ele expulsou
os outros deuses
e ficou reinando sozinho
e fez todos os homens pecarem
- coisas que eles jamais haviam feito antes –
porque pecar com inocência não é pecar...


E os homens conheceram o terror maravilhoso do pecado
-e assim o novo deus lhes trouxe uma volúpia nova.

Mario Quintana in:Apontamentos de História Sobrenatural

Mario Quintana - Foto Liane Neves

sexta-feira

De Mario Quintana: AEROPORTO

Foto: Daniel de Andrade Simões


A partida suave, silenciosa, sem nenhuma bagagem. Meu outro nome, minha outra imagem, não mais o ser terreno...outro, sim outro, que existe escondido nas profundezas da alma e que se revelará, súbito e maravilhosamente.
Bernardo

AEROPORTO

Eu também, eu também hei de estar no
Grande Aeroporto um dia,
Entre os outros viajantes sem bagagem...
Tu não imaginas como é bom, como é repousante
Não ter bagagem nenhuma!
Porém, no auto-falante,
Serei chamado por outro nome que não o meu...
Um nome conhecido apenas pelos anjos.
Mas eu reconhecerei o meu nome
Como reconheço no espelho a minha imagem de cada dia.
E cada chamada será uma súbita, uma maravilhosa revelação.
Menos
Para umas poucas criaturas...
Aquelas criaturas que mereceram ser conhecidas
Ainda neste mundo,
Ainda nesta vida
Pelo seu nome único e verdadeiro!
Mario Quintana in: Preparativos para a Viagem


As fotos acima são obra da lente sensível de Daniel de Andrade Simões postadas em seu excelente blog http://saitica.blogspot.com/

O APOIO FAMILIAR NA FORMAÇÃO DO POETA QUINTANA

Foto Liane Neves

"Ser poeta não é uma maneira de escrever. É uma maneirade ser. O leitor de poesia é também um poeta. Para mim o
poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações
Públicas. O poeta é Relações Íntimas. Dele com o leitor. E
não é o leitor que descobre o poeta, mas o poeta é que descobre
o leitor, que o revela a si mesmo. O poeta que “me
descobriu” foi o Antônio Nobre do Só. Tínhamos lá em casa
aquela bela edição ilustrada por Antônio Carneiro, e não sei
em que mãos estará agora. A propósito, o jornalista e poeta
Egydio Squeff comprou num sebo um exemplar do Só
onde estava escrito: “Este é o quarto exemplar do Só que eu
compro. Os outros todos me roubaram.” E vinha assinado
em baixo: Álvaro Moreyra. Em meu primeiro livro, A Rua
dos Cataventos, tenho, por dever e devoção, um soneto a ele
dedicado e mais uma referência em outro poema. Isto bastou
para acusarem em mim a influência de Antônio Nobre.
Protesto: não há influência – há confluência, pois a gente só
gosta de quem se parece com a gente. Porém, mais remota do
que a presença de Antônio Nobre, está, entre as recordações
da infância, a voz grave e pausada de meu pai a recitar-me o
episódio do Gigante Adamastor. Aquele ritmo severo ensinava-
me a profundidade da poesia e até hoje me assombra
aquele verso: “Que o menor mal de todos seja a morte”. Em
compensação minha mãe, educada no Uruguai, recitava-me
Espronceda e Becquer: “Ya se van las oscuras golondrinas”.
A par disso aprendi a ler muito cedo, sem quase saber que
estava lendo. E ouso afirmar que as verdadeiras influências
na minha formação foram Camões e O tico-tico.
Não sei se tive infância. Fui um menino doente, por trás de
uma janela. Creio que foi a ele que eu dediquei depois um
soneto de A Rua dos Cataventos. O meu “elemento” era a poesia.
Comecei a ser poeta como um cachorro que cai n’água e
não sabia que sabia nadar. (Sabia.) E o meio fami liar ajudou.
Tanto meu pai e minha mãe, como meus irmãos Milton e
Marie ta, a quem dediquei meu primeiro livro, gostavam de
poesia. Nunca tive a clássica incompreensão da família, de
que tanto se vangloriam alguns poe tas. Aliás, foi meu próprio
irmão Milton, quinze anos mais velho do que eu, quem
me ensinou a metrificar. Como tive a infância muito presa,
devido à precariedade da saúde, quando pude soltei-me no
mundo. Um choque. Fui criado num aviário e solto num potreiro.
Daí talvez a explicação da minha posterior e prolongada
boemia.
Mario Quintana

segunda-feira

MONOTONIA


Há tanta monotonia no mundo que até a felicidade cansa, afirma Quintana. Será talvez que a busca incansável de algo novo leve à frustração justamente pela descoberta da não existência do tal novo? Afinal o novo é novo por tão pouco tempo que uma vez alcançado perde sua graça e motivação. Quintana chega à conclusão que a morte tem aí uma das suas funções : "ainda bem que tudo acaba se não[...] eu me matava!"

MONOTONIA
É segundo por segundo
Que vai o tempo medindo
Todas as coisas do mundo
Num só tic-tac, em suma,
Há tanta monotonia
Que até a felicidade,
Como goteira num balde,
Cansa, aborrece, enfastia...
E a própria dor - quem diria? -
A própria dor acostuma.
E vão se revezando, assim,
Dia e noite, sol e bruma...
E isto afinal não cansa?
Já não há gosto e desgosto
Quando é prevista a mudança.
Ai que vida!
Ainda bem que tudo acaba...
Ai que vida tão cumprida...
Se não houvesse a morte, Maria,
Eu me matava!

Mario Quintana in: Preparativos de Viagem